Existiu uma praga de proporções bíblicas que quase levou as videiras do mundo inteiro à extinção, fazendo com que os europeus arrancassem suas plantas pela raiz. O inseto devastou o mundo do vinho por quase 40 anos. Conheça a história.
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A praga filoxera-da-videira foi um dos mais desafiadores flagelos que se tem história no mundo do vinho, sendo chamada de Grande praga de filoxera. O pulgão amarelo Daktulosphaira vitifoliae se alimenta das raízes da videira causando a doença Phylloxera, que devastou maciçamente os vinhedos europeus no final do século XIX.
De origem norte-americana, diversas pragas chegaram à Europa ocultas em coleções de plantas que eram trazidas do Novo Mundo. O inseto da filoxera, especialmente, é quase microscópico (tem de 0,3 mm a 3 mm de comprimento), e vivia camuflado nas raízes das plantas, praticamente imperceptíveis. Naquela época, utilizava-se navios à vapor, que viajavam com tanta rapidez que atravessavam o Oceano Atlântico antes que os insetos morressem. E, em cada vinhedo que pousavam, as plantas morriam.
O primeiro vinhedo a decretar a filoxera-da-videira, em 1863, se localizava no sul da Inglaterra. Em apenas poucos anos, foi identificada na França, em Languedoc, Vale do Rhône e Bordeaux, reduzindo a produção de vinho francês pela metade. Após essa primeira leva de contaminação, ano após ano a praga chegava em um novo país: Turquia, Áustria, Suíça, Itália, Portugal e Espanha.
Em 1868, o biólogo francês Jules-Emile Planchon e dois colegas descobriram, por acaso, um enxame de filoxera sugando as raízes de uma planta é que surgiu a teoria de que a murchidão que atacava as videiras era causada pela filoxera.
Essa praga tinha um alto poder de dispersão. Podia ser transportada de um vinhedo para outro por meio de qualquer material botânico (como podas, mudas, rizomas, folhas e brotos), terra, maquinário, cachos de uvas, produtos vinícolas e até mesmo por pessoas e roupas.
Por volta de 1878, quinze anos após o início da praga, 40% das videiras na Europa haviam sido perdidas. Muitos agricultores tentaram resolver o problema sozinhos, utilizando produtos químicos e pesticidas em vão. Alguns prenderam sapos debaixo das videiras, enquanto outros deixavam em liberdade as aves de capoeira na esperança de que comessem os insetos. Nenhum destes métodos foi bem sucedido.
Então iniciaram-se os experimentos com enxertos de rizomas norte-americanos em vinhas francesas. Como o inseto da filoxera era natural lá, as vinhas indígenas americanas eram resistentes a eles. Porém, as suas uvas davam vinhos com complexidade aromática e estrutura menores. Os vinicultores europeus ficaram relutantes em produzir vinhos a partir delas. A solução, portanto, foi transplantar os rizomas imunes à mudas de Vinis vinífera europeias e replantas todos os vinhedos perdidos.
Essa solução, infelizmente, não evitou o impacto no mercado de vinho europeu. Um pé de videira demora no mínimo 5 anos para estar maduro o suficiente para gerar uvas de qualidade e concentração adequadas. E são mais de cinco anos para produzir vinhos superiores. Após a colheita, ainda são necessários mais alguns anos de envelhecimento e guarda, até os novos vinhos chegarem ao consumidor final. Todo esse tempo significa que muitas vinícolas, além das perdas financeiras e gastos para a recuperação, ainda ficaram improdutivas por anos, causando a falência de vários produtores.
Enquanto as plantas eram replantadas nos primeiros países a testarem essa solução, vinhedos por toda Grécia, Alemanha, Croácia e Argélia ainda eram atacados. Foram quase 40 anos de destruição. Muitos lugares, no entanto, eram considerados mais isolados e não precisaram recorrer ao enxerto, podendo manter seus vinhedos.
Porém, a praga seguia sem cura e aconteceu uma segunda onda quando vinhedos da Califórnia foram atacados pela filoxera na década de 1980. Os gastos com a recuperação do vinhedo são estimados em quase 1,2 milhões de dólares, enquanto mais de 16 mil acres de plantas foram arrancadas nos vinhedos nas regiões de Napa e Sonoma. Em 1990, foi a vez dos vinhedos de Oregon e da Nova Zelândia e até mesmo a isolada Austrália de sofrerem com o inseto.
A solução seguinte foi de queimar as plantações e deixar os terrenos sem uso por tempo suficiente para que os insetos morressem. Porém, nada adiantou. Dez anos depois, vários novos locais estavam infestados.
Já a Austrália do Sul, a principal e mais importante região vinícola do país, estava relativamente protegida por não ter recebido plantas infectadas até então, e uma rígida lei foi aprovada proibindo a importação de qualquer material para dentro de suas fronteiras. Após essa medida, diversas outras leis foram aprovadas, inclusive o Ato Phylloxera e Grape Industry de 1995, que previa quarentenas e práticas de higiene e vigilância.
Devido à destruição de diversos vinhedos que não chegaram a ser replantados, algumas espécies de uva foram extintas. Uma delas foi a Carménère que, apesar de ter sido considerada extinta, alguns pés da casta são encontrados misturados à Merlot em vinhedos do Chile, onde a praga nunca chegou. Por isso, hoje ela é considerada uma cepa típica chilena. Leia mais sobre essa casta clicando aqui.
Ainda não há, atualmente, uma cura para as infestações de filoxera, nem para a murchidão causada por ela. Continua sendo, portanto, uma séria ameaça para qualquer vinha que não tenha procedido a enxertos.